Momento de reflexão da Educação: Magda Soares, Emília Ferreiro e Paulo Freire

Vou postar aqui alguns vídeos para incitá-lo(a) a refletir um pouco sobre aspectos relevantes da área da Educação!

A professora emérita da Faculdade de Educação (FAE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um das maiores especialistas em Alfabetização e Letramento no país, Magda Soares responde a perguntas de professores alfabetizadores oferecendo dicas importantes para a prática na sala de aula.

Logo após os vídeos de Magda Soares, temos Emília Ferreiro explicando a cisão que existe hoje entre alfabetização e letramento.

Ao final, temos dois vídeos muito elucidativos acerca da visão de Paulo Freire e de sua Pedagogia da Libertação.

Vale muitas reflexões!!!

 

Por André Groba

 

“Deu a louca na Chapeuzinho” – o filme

Como explorar esse filme, seja no contexto clínico, seja no institucional?

  • Quais conhecimentos prévios precisam ser garantidos antes de explorar a história?

– Conhecer a história da Chapeuzinho Vermelho;

– Ter refletido sobre a história original;

– Conhecer sobre assuntos relacionados à preconceito, diferenças, respeito, entre outros.

  • O que trabalhar/explorar?

– É possível explorar os temas como o julgamento, preconceito, respeito às diferenças;

– Fazer uma reflexão sobre os diferentes pontos de vistas;

– União para resolver um problema, dando prioridade a este e não às questões de convivência.

  • E como explorar?

– Discussões abordando o tema;

– Trabalhar com atividades e jogos investigativos;

– Trabalhar dinâmicas com exploração das diferenças;

– Fazer um fechamento com cada aluno, representando um colega que ele conhece um pouco e apresentar para a sala como ele pensa que o colega é.  Assim,  a sala consegue notar  os diferentes pontos de vistas acerca de uma pessoa.

 

Por André Groba

Filme ”Meu filho, meu mundo” e uma análise fenomenológica-existencial e hermenêutica

 

Segundo a fenomenologia, o homem é um ser em construçao, e a cada relação “um-em-si” descobre o outro e a si mesmo, ou seja, cada relação revela aspectos de sua existência antes desconhecidos. É sobre essa perspectiva que ocorre o aconselhamento e a orientação psicológicas. Segundo o método fenomenológico, o caminho para que ocorra uma compreensão do homem do ser-aí é “olhar” o ser através de sua existência no dia a dia, no seu viver. E à medida em que essa compreensão vai ocorrendo des-vela (tira o véu) o sentido da existência humana nas características essenciais de temporalidade e historicidade.

Valorizando o existir do homem, assim um ser humano como sujeito e não apenas como um objeto da intervenção. Esse homem é um ser-no-mundo, portanto autônomo e responsável pela sua própria existência, capaz de exercer suas potencialidades e é também um ser-em-relação com o mundo e com os outros homens, constituindo-se um projeto de si próprio, único e que interroga acerca de si-mesmo.

Na orientação e aconselhamento psicológico, o terapeuta junto com o paciente vai buscar deixar compreensível o significado e sentido da sua existência. No filme, os pais de Raun aceitam seu modo de existir e aproximam-se a cada dia para que ele participe da vida da família, acreditando que Raun é que decidirá se permanece em seu mundo ou se compartilha da vida com os familiares. Esta é a função do terapeuta fenomenológico, aceitar o paciente e junto com ele compartilhar seus aspectos da vida, sem limitá-lo, permitindo que ele faça suas escolhas, mostrando como a família de Raun que existem outras possibilidades, convidando a sair do isolamento e olhar para os caminhos que existem. Raun teve indícios de contato com a família e depois voltou a isolar-se, desta forma, mostrando a angústia e a crise vivida por todo homem, sua existência o convida à escolha, e a assumir a responsabilidade do seu modo de ser-no-mundo.

Spanoudis coloca ainda que nesse método não há o objetivo de ser diretivo ou não, nem tão pouco de avaliação de dados fornecidos, mas sim de uma tentativa humilde de caminhar juntos e, juntos, compreender a significação de como vivemos, e clarear a maneira pela qual nos relacionamos e atuamos com o mundo e para o mundo.

É possível perceber no filme, que os pais quando falavam que estavam tentando trazer o Raun, estes estavam tentando compreender o filho. Os pais estavam abertos para compreender os significados do que encontravam, assim podendo desvelar Raun, no seu modo de ser, a sua existência, o seu jeito-de-ser-no-mundo, uma vez que ele, aliás, como todo ser humano, segundo a fenomenologia, tem um jeito próprio de se relacionar e atribuir significados próprios a tudo que encontrava. A partir do momento que toda a família se mobilizou para possibilitar a melhora de Raun, possibilitou a existência dele, uma vez que, o homem existe a partir da relação com o outro.

Na cena em que após Raun apresentar uma melhora, ele novamente se fecha para o mundo, podemos dizer que os pais possibilitaram que o filho fosse ser-si-mesmo, isto é, que Raun fizesse sua escolha uma vez que, conforme a fala da mãe, ele poderia escolher não voltar mais.

Segundo Spanoudis, para Heidegger a Daseinanalyse demonstra que uma particularidade do homem é co-existir, o viver com o outro, e co-existir é o que possibilita ao ser humano se tornar autêntico, apropriar-se de si. No aconselhamento e orientação o terapeuta tenta junto com o paciente desvelar ou clarear a totalidade dos significados e deixar compreensível como o outro, o paciente, se relaciona com o mundo, como se comunica com as pessoas, como está disposto ou aberto para o mundo, em relação a tudo que vivencia, assim de maneira clara juntos vão encontrando o novo caminho, a partir da compreensão de como ele vive com os outros e compreende esse viver. Existe a necessidade de conhecer o homem, o seu modo de ser, a sua existência, o Dasein (ser-aí), lançado no mundo e responsável pelo seu existir.

 

Por André Groba

O caso da escrita de Maiara e as hipóteses do processo de alfabetização

Antes de mais nada, vamos analisar o caso:

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Vamos agora analisar as ações da professora e o processo de desenvolvimento da escrita de Maiara, sob a perspectiva da Psicogênese da Língua Escrita proposta por E. Ferreiro.

No caso disponibilizado, nota-se que a primeira ação da professora foi o de solicitar que as crianças trouxessem a pasta de atividades e na sequência, realizou com elas uma entrevista diagnóstica individual com o objetivo de conhecer o que seus alunos sabiam sobre a escrita (sondagem) e a partir do diagnóstico, ou seja, considerando o que as crianças já sabiam e o que poderiam aprender, a professora fez um planejamento do seu trabalho, dando início então às atividades, buscando promover situações-problema difíceis e possíveis, de modo que as crianças pudessem solucioná-los. Nesta ação, realizada pela professora, evidencia-se a importância da interação entre os grupos de crianças que estão em um nível mais avançado no conhecimento da escrita e aqueles que ainda não foram alfabetizados. Essa ação torna-se importante na medida em que se cria uma oportunidade para o aprendizado através da interação com outras crianças, permitindo que ocorresse em sala, uma maior reflexão sobre a escrita.

Ela proporcionou às crianças, atividades de leitura e de escrita, lia diariamente para seus alunos, sempre contextualizando a necessidade de ler e escrever, que segundo Ferreiro (2004), propicia para as crianças situações, onde as mesmas possam participar ou observar como os adultos interagem com a leitura e a escrita, e possibilita à criança refletir sobre o significado do ler e escrever. A professora demonstrou que não estava apenas preocupada com os aspectos relacionados à percepção e motricidade dos alunos, mas também aos aspectos conceituais da escrita, no qual se mostra à criança situações em que a própria escrita possa ser parte de seu pensamento, pois o sentido e a função da escrita lhe são transmitidas.

Todo o esforço e cuidado desta professora, desde a identificação da hipótese de escrita de cada aluno, do planejamento de seu trabalho em função do que os alunos já sabiam sobre a escrita, nas situações promovidas em duplas e grupos, na organização do espaço da sala de aula, no acompanhar mais próximo àqueles que não estavam alfabetizados, no cuidado em selecionar os textos e músicas mais adequados à diversidade da turma, na preocupação em aproximar as condições de produção em sala com as reais situações vivenciadas fora do âmbito escolar, puderam promover o desenvolvimento progresso da língua escrita na turma. Isso porque proporcionou aos alunos que eles pudessem utilizar-se de suas próprias elaborações da escrita em atividades que tinham fundamento e sentido.

Segundo Azenha (2004), a criação de um espaço, de um ambiente e de um contexto adequados e alfabetizadores é fundamental para que as crianças pensem e reflitam em como ocorre a organização da escrita.

Em relação ao processo de desenvolvimento da língua escrita de Maiara, é visível em sua primeira escrita (ESCRITA I), que ela já havia superado o nível da escrita indiferenciada, na qual há uma baixa diferenciação entre a grafia das palavras, tendo os traços bem semelhantes entre si (AZENHA, 2004). Maiara encontrava-se na hipótese pré-silábica na ESCRITA I, já que tinha conhecimento de que para escrever necessitava de uma sequência de letras (hipótese da quantidade mínima de letras), e de letras diferentes para nomear coisas e objetos diferentes (hipótese da variedade de caracteres).

Azenha (2004, p.66) explica que “a característica principal das escritas categorizadas como pertencentes a este nível é a tentativa sistemática de criar diferenciações entre os grafismos produzidos”.

Diferentemente do exposto na ESCRITA I, na ESCRITA II tem-se uma evolução no desenvolvimento das hipóteses da escrita, sendo que aí ela encontra-se na hipótese silábica, que se caracteriza no estabelecimento em que a criança faz entre a escrita e a expressão do som da linguagem falada. Nesta etapa, cada letra corresponde a uma sílaba, sem e com valor sonoro correspondente às letras (AZENHA, 2004). Um exemplo é a palavra dinossauro, em que é feita a seguinte distinção: D (di) – P (no) – M (ssau) – FK (ro).

Na ESCRITA III, fica claro que o desenvolvimento da escrita de Maiara ainda está no nível da hipótese silábica; nessa produção, evidencia-se o conflito cognitivo gerado por esquemas de assimilação contraditórios. A criança que começa a fazer uso da concepção silábica da escrita tem dificuldades na escrita de palavras dissílabas ou monossílabas. Ela se vê tendo que utilizar de um número menor de letras do que aqueles que foram definidos na hipótese de número mínimo de caracteres, o que pode promover tentativas de fazer um ajuste entre os esquemas contraditórios. Uma solução encontrada por ela para superar as contradições endógenas, resultantes das contradições entre esquemas interpretativos é abrir mão da quantidade mínima de letras, para que a lógica da hipótese silábica prevaleça (AZENHA, 2004). Como exemplo, as palavras dado e pião, expostas na ESCRITA III.

Maiara alcança na ESCRITA IV, a hipótese silábica-alfabética no desenvolvimento de sua escrita, pois sem deixar a hipótese anterior, ela explora o uso das letras para representar fonemas. As produções passam a ter maiores vestígios da escrita alfabética, apesar das omissões no registro de letras, como podemos verificar nas palavras demonstradas nesta escrita. Essas lacunas são caracterizadas como falhas, e apesar de ser um fato frequentemente classificado como patológico, indicador de falta de percepção – visual, auditiva ou articulatória, não tem relação com patologia. Se comparado às escritas da fase silábica, ao invés da omissão, notaremos um acréscimo de letras. Nessa fase, a criança agrega mais letras à sua escrita tentando aproximar-se da escrita alfabética, onde se utiliza mais de uma letra, para registrar os sons da fala, mostrando o progresso na compreensão do sistema da escrita (AZENHA, 2004).

Finalmente, na ESCRITA V, pode-se observar a evolução de Maiara, que desenvolveu a sua escrita à hipótese alfabética. Nesse estágio, a criança compreende que cada caractere da escrita corresponde a valores sonoros menores que a sílaba e identifica o som dos fonemas das palavras que vai escrever. Consegue ler o que escreve, tem domínio do código escrito e o utiliza como instrumento para várias funções. Mesmo sem ter ainda o domínio das regras ortográficas, passiveis de informações do meio, para serem apreendidas, não deixa de escrever por medo de errar. Esses erros indicam de que maneira as crianças descobriram as funções da escrita, o que esta representa e como se organiza (AZENHA, 2004). Podemos verificar essa evolução no bilhete que ela escreveu, no qual usa da escrita e do seu conhecimento aprendido para transmitir uma mensagem à sua mãe e mesmo com algumas lacunas e palavras erradas, não deixou de escrever, pois sabia o sentido do que estava escrevendo.

Todo o processo de alfabetização da criança se dá a partir da mediação, conforme a teoria proposta por Vygotsky. A criança é e está inserida num meio, no qual ela entra em contato com as palavras, mesmo não compreendendo o que são, mas é a partir da intervenção do alfabetizado, de um adulto, do professor, que media essa relação entre o que a criança sabe e o que ela pode vir a aprender a partir dessa mediação é que o processo de aprendizagem ocorre. Mas isso não significa que a criança seja um ser passivo; ela é ativa nesse processo, pois interage com o objeto de conhecimento.

Referência:

AZENHA, M. G. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo: Ed. Ática, 2004.

 

Por André Groba

 

O currículo pedagógico no ensino infantil

Segundo Aquino (2014), nas últimas décadas, tem-se visto uma expansão dos estudos da infância em diversos campos acadêmicos, inicialmente motivados pelos desafios postos no processo de educação e escolarização da criança e, posteriormente, provocados por questões diversas.

Moreira Leite (1972 apud AQUINO, 2014, p.168) considera que “os estudos em torno da criança enquanto tal, nasceram de necessidades práticas da escolarização universal que começou a ser implantada na Europa nos fins do século XIX e no início do século XX”.

De acordo com Aquino (2014), por muito tempo, a medicina e a psicologia detiveram quase que um monopólio da infância, estabelecendo com a pedagogia uma rede de conhecimento e controle, normatizando e prescrevendo condutas consideradas próprias para as crianças e os ambientes a elas destinados. Na virada do século XIX para o XX, a intensificação da modernidade por meio da urbanização deram à medicina, uma vertente higienista, com o foco nas políticas e práticas sociais, com interesse especial na infância. A pediatria e a puericultura, especialidades médicas com foco na infância, determinavam as condições de existência das crianças, regulando as práticas alimentares, higiênicas, afetivas e socioculturais. No mesmo período, a psicologia também assumiu um papel preponderante na formulação de práticas e concepções voltadas para a infância, instaurando desafios no processo de universalização da escola elementar, e que se constituem em fomento para a estruturação da psicologia como ciência. Contudo, tais ciências foram insuficientes para tantos desafios que as motivaram.

Warde (1997 apud AQUINO, 2014, p.308) explica que

Se a tese que emergiu na segunda metade do século XIX, segundo a qual seria a criança o termo articulador entre a psicologia e a pedagogia, não resultou em práticas pedagógicas mais vantajosas para a infância, o problema não deve ser procurado na lógica interna das relações entre aquelas disciplinas, mas sim na impossibilidade de ambas darem conta, porque são o seu próprio espelhamento, das condições sociais nas quais a sua infância é negada.

Os estudos de viés cultural sobre a infância trouxeram a ideia de diversidade, enfrentando o desafio de buscar superar certa tradição de tomar a criança e a infância como conceitos universais. Conforme pontua Ortiz (2007, p.14 apud AQUINO, 2014, p.170), é preciso considerar que o “universal termina onde começam a cultura e a língua”, mas “não devemos pensar a diferença como um ser, uma essência; ela é relacional e encontra-se situada num contexto determinado”.

Segundo Faria e Dias (2012), uma preocupação bastante antiga no meio educacional de nosso país tem sido o currículo. Antes mesmo da educação infantil ocupar um lugar de destaque como hoje ocupa, os educadores já definiam como prioridade o que ensinar, para que ensinar, como e quando ensinar.

Ainda de acordo com Faria e Dias (2012), atualmente, tal preocupação tomou novos rumos, pois o que antes se limitava à definição de conteúdos, objetivos, atividades e metodologias estabelecidos por faixa etária, hoje ampliou-se, buscando articulação com a discussão sobre aspectos referentes à organização, funcionamento e relações que criam o conjunto de fatores essenciais para a viabilização da prática pedagógica em uma instituição educativa. Para tal, foi denominado de “Proposta Pedagógica” ou “Projeto Político-Pedagógico”, e nos dias de hoje, já não é possível tratar o currículo de forma isolada, haja visto que ele é um dos elementos integrantes dessa proposta ou projeto.

Faria e Dias (2012) ressaltam que a proposta pedagógica é a busca pela construção da identidade, organização e gestão do trabalho de cada instituição educativa. O projeto reconhece e legitima a escola como histórica e socialmente situada, constituída por sujeitos culturais, e que se propõem a desenvolver uma ação educativa, mediado pelas unidades de propósitos. Nesse sentido, são compartilhados desejos, crenças, valores, concepções, que definem os princípios da ação pedagógica e que vão delimitando e delineando, em um processo de avaliação contínua, suas metas, objetivos, suas formas de organização e suas ações.

Mediante essa compreensão, entende-se a proposta pedagógica de educação infantil como a busca pela organização do trabalho de cuidar e educar crianças de 0 a 6 anos, em creches e pré-escolas, complementando a ação desenvolvida no contexto familiar e comunitário.

É recente o reconhecimento na legislação referente ao trabalho desenvolvido com crianças de 0 a 6 anos e com caráter educativo, definindo normas para a elaboração de propostas pedagógicas de instituições que oferecem esse tipo de atendimento. Entretanto, as creches e pré-escolas vem organizando seu trabalho há bastante tempo, apesar de pouco sistematizada, porém, focando no cuidar e no educar. Essas duas funções aparecem em muitas instituições com ênfases e concepções diferenciadas, fragmentadas e sem explicitação dos princípios que norteiam suas práticas.

As autoras ainda explicitam que já existem propostas em andamento que se concretizam na forma como os sujeitos organizam os espaços, tempos, as crianças, as atividades, na escolha e formação de seus professores, no modo como estabelecem relações com as crianças, famílias e comunidade e, também nas estratégias utilizadas para resolver seus problemas e dificuldades. Tem-se aí um saber-fazer construído no cotidiano, norteado por determinadas crenças e concepções.

Deve-se ter uma clareza quanto aos pressupostos norteadores da prática pedagógica, que possibilite, de maneira reflexiva e crítica, relações entre a proposta em andamento e aquilo que é preconizado nas definições legais.

Faria e Dias (2012) explicam que há múltiplas possibilidades de descoberta, apropriação, transformação e produção de conhecimentos pelas crianças inseridas no contexto de uma instituição escolar de educação infantil. As autoras ressaltam a importância da premissa de que a criança é um sujeito sócio-histórico-cultural, cidadã de direitos e um ser de natureza que possui especificidades no seu desenvolvimento, sejam essas determinadas pela interação entre aspectos biológicos e culturais, que também geram necessidades específicas.

Segundo Faria e Dias (2012), a criança enquanto sujeito implica que, nas relações que são estabelecidas com ela, ela tem desejos, opiniões, ideias, capacidade de tomar decisões, de criar e inventar, e que se manifestam desde muito cedo, através de seus movimentos, expressões, olhares e vocalizações, na fala, etc. As relações que são estabelecidas com a criança não podem ser consideradas unilaterais (do adulto para a criança), mas sim, devem ser consideradas relações dialógicas entre o adulto e a criança, propiciando a constituição da subjetividade desta e contribuindo na constituição do adulto enquanto sujeito. O fato de ser um sujeito sócio-histórico-cultural respalda na afirmação de que os desejos, vontades, ideias, opiniões, capacidade de decisão, maneiras de pensar e formas de se expressar e compreender o mundo, são construídas historicamente na cultura do meio social em que esta criança encontra-se inserida. A criança também constrói uma historia pessoal, que é feita dentro da cultura familiar e que é definida em função da classe social de sua família, da localização em que está, da cor de sua pele, do sexo pertencente, das experiências e vivências sociais e culturais que perpassa. Sua história também transita pelas relações com seus pares, produzindo e partilhando uma cultura de infância, constituída por ideias, valores, códigos próprios, formas específicas de compreensão da realidade e que lhe permite não apenas reproduzir o mundo adulto, mas ressignificá-lo e reinventá-lo (FARIA; DIAS, 2012).

Ainda segundo as mesmas autoras, a criança enquanto cidadã de direitos diz respeito aos direitos inalienáveis que lhe são garantidos legalmente e que são iguais para todas as crianças.

O fato de considerarmos a criança um ser da natureza diz respeito à sua dimensão biológica dentro da espécie humana.

As autoras pontuam que na faixa de 0 aos 6 anos, as crianças têm especificidades em seu desenvolvimento e que são significativos, conforme alguns estudos apontam, como por exemplo: o sistema nervoso da criança apresenta uma grande plasticidade, determinando uma imensa possibilidade de aprender, maior do que em qualquer outro momento de sua vida; as crianças são dependentes do adulto, necessitando de sua proteção e cuidados, ao mesmo tempo, em que precisam que ele acredite nas suas potencialidades para que avancem no processo de construção de sua autonomia e capacidade de se autocuidar; nessa fase elas estão em pleno desenvolvimento físico-motor, construindo sua corporeidade nas relações com o outro, com os espaços, tempos e objetos; é o período relevante de aquisição da ação simbólica sobre o mundo, desenvolvendo múltiplas linguagens e estruturando seu pensamento, nas suas interações com os sujeitos da cultura; as crianças estão no processo de construção de suas estruturas mentais superiores e, embora não consigam ainda elaborar conceitos abstratos exigidos para a compreensão de muitos conhecimentos sobre os quais manifestam curiosidade, revelam uma lógica própria na busca de compreensão e apropriação do mundo; o brincar (capacidade lúdica de imaginar, de transformar uma coisa em outra, de atribuir significados diferentes a determinado objeto ou ação) passa a se constituir na linguagem privilegiada para as crianças expressarem, explorarem, compreenderem e transformarem o mundo – além do brincar, a imitação, a repetição, a imaginação, a exploração, a experimentação e a interação com os pares se caracterizam como formas fundamentais das crianças se apropriarem e reinventarem a cultura; as crianças de 0 a 6 anos estão ampliando os laços sociais e afetivos, isto é, num processo entre o eu e o outro, vão construindo sua identidade, sua subjetividade, seu sentimento de pertencimento social, auto-estima, autoconfiança e capacidade de atuar cooperativamente (FARIA; DIAS, 2012).

Referências:

AQUINO, L. M. L. Infância e diversidade nas orientações nacionais para a educação infantil. In: ABRAMOWICZ, A.; VANDENBROECK, M (orgs). Educação infantil e diferença. Campinas, SP: Papirus, 2014.

FARIA, V. L. B.; DIAS, F. R. T. S. Currículo na Educação Infantil: diálogo com os demais elementos da Proposta Pedagógica. Coleção Percursos. Editora: Scipione, 2012.

 

Por André Groba

Analfabetismo (funcional?)

O analfabetismo funcional é a incapacidade da pessoa em não compreender (interpretar) textos simples. Ela pode até mesmo decodificar as letras, reconhecer e escrever algumas palavras, o próprio nome, números, etc. Contudo, esta pessoa não desenvolve a habilidade de compreender um texto simples.

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São chamados de analfabetos funcionais os indivíduos que, embora saibam reconhecer letras e números, são incapazes de compreender textos simples, bem como realizar operações matemáticas mais elaboradas. No Brasil, conforme pesquisa feita pelo Instituto Pró-Livro, 50% dos entrevistados declararam não ler livros por não conseguirem compreender seu conteúdo, embora sejam tecnicamente alfabetizados. Outra pesquisa, realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e pela Ação Educativa, revelou dados da oitava edição do Indicador de Analfabetismo Funcional, o Inaf, cujos resultados são alarmantes.

De acordo com o Inaf, a alfabetização pode ser classificada em quatro níveis: analfabetos, alfabetizados em nível rudimentar (ambos considerados analfabetos funcionais), alfabetizados em nível básico e alfabetizados em nível pleno (esses dois últimos considerados indivíduos alfabetizados funcionalmente). Conforme a pesquisa, que aplica um teste avaliando as habilidades de leitura, escrita e Matemática, o domínio pleno da leitura vem sofrendo queda entre todos os entrevistados, tendo eles concluído o Ensino Fundamental ou o Ensino Superior. Os dados mostram que o problema do analfabetismo funcional deve ser levado a sério, pois a dificuldade de compreensão dos genêros textuais, mesmos os mais simples e mais acessados no cotidiano, prejudica o desenvolvimento intelectual, pessoal e profissional do indivíduo.

Embora o número de analfabetos tenha diminuído no Brasil nos últimos quinze anos, o analfabetismo funcional ainda é um fantasma que atinge até mesmo estudantes que frequentam o ensino superior, desfazendo o mito de que ele estaria intrinsecamente relacionado à baixa escolaridade. As pesquisas desenvolvidas sobre o índice de analfabetismo funcional no país são de extrema importância, já que promovem o debate entre diversos grupos sociais responsáveis por desenvolver um novo parâmetro educacional a partir da discussão das causas e efeitos do Inaf.

Desenvolver métodos que priorizem o letramento é fundamental para que o analfabetismo funcional seja superado, e para isso é inquestionável a importância do trabalho conjunto entre pais e professores. Engana-se quem acredita que cabe somente à escola o papel de alfabetizar e letrar, visto que o letramento é uma prática presente em diversas situações do cotidiano, envolvendo não apenas a leitura tecnicista de textos, mas também o desenvolvimento da criticidade e capacidade de elaborar opiniões próprias diante dos conteúdos acessados. A aprendizagem deve ser universalizada, propiciando assim que todos os leitores atinjam o nível pleno da alfabetização funcional.

Esta reportagem, escrita por Luana Castro Alves Perez, da Revista Brasil Escola, mostra que mesmo com a diminuição do analfabetismo no país, ainda existem aqueles que mesmo sendo alfabetizados (em nível rudimentar), não conseguem entender o que lêem. E qual será a causa disso? Seria um problema neurológico do indivíduo, algo orgânico? Ou será que o sistema de ensino brasileiro é o responsável por produzir cidadãos sem consciência e sem reflexão? E a quem interessaria um país de analfabetos funcionais? Há de se pensar e refletir sobre isso…

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Por André Groba

Letrar ou alfabetizar? Eis a questão…

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Lendo a reportagem da Revista Língua Portuguesa, disponível no link (http://conhecimentopratico.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/30/artigo219556-1.asp), é preciso que façamos uma distinção entre ler e alfabetizar.

Para muitos pais e mães, quando o filho começa a aprender as letras, as famílias (B com A, que forma BA) e, passa a escrever algumas palavras, eles acreditam que os filhos estão sendo alfabetizados. E de fato eles estão.

O processo de alfabetizar um educando, nada mais é do que torná-lo apto a ler e escrever, isto é, trata-se de decodificar e assimilar os conteúdos de signos linguísticos, o código escrito.

Já o processo de letramento é a construção e o aprimoramento das práticas sociais de leitura e escrita. Nesse sentido, podemos dizer que não existe um grau zero de letramento, uma vez que desde o nascimento estamos inseridos no contato com a linguagem escrita e oral (jornal, revista, rótulos de embalagens, placas, panfletos, o contar histórias, o conversar, o cantar, a televisão, etc).

Portanto, letrar e alfabetizar são processos diferentes, contudo, não são inseparáveis, pois como diz Magda Soares: “o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto de práticas sociais de leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado”.

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Por André Groba

 

Trabalhando com “O patinho feio” no contexto institucional

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Uma forma de atingir e alcançar os alunos (e porque não, os pacientes clínicos) é através de contos e fábulas. O uso deste recurso (o contar uma história ou estória) é perfeito quando se busca tratar de um ou mais assuntos, de maneira ‘indireta’. No contexto institucional, o trabalho com contos clássicos torna a aula mais atrativa, dinâmica e mais próxima da realidade dos alunos. Valoriza a língua como veículo de comunicação e expressão das pessoas e dos povos, abrangendo o desenvolvimento da linguagem, da leitura e da escrita, além dos aspectos morais priorizados neste tipo de literatura.

Portanto, segue abaixo uma possibilidade de trabalho com a história de ”O patinho feio” para uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental I.

Objetivos: trabalhar os temas que tangem o respeito às diferenças, conscientizar os alunos acerca do respeito mútuo, da erradicação da violência contra o outro (aquele que lhe é diferente) e o bullying, eliminando qualquer tipo de discriminação, além de visar aspectos vinculados à dignidade e equidade.

Público-alvo: alunos do terceiro ano do ensino fundamental com idades entre 8 a 9 anos.

Duração das atividades: duas aulas de 50 minutos cada.

Estratégias e Recursos:

Aspectos da autonomia moral trabalhados na história do Patinho Feio

A história do “Patinho Feio” possibilita o pensar sobre vários aspectos da vida: a diversidade humana, o respeito mútuo, a exclusão, a rejeição, as permanências e as transformações, as superações, o desenvolvimento pleno das potencialidades humanas, a importância de ser aceito em uma sociedade e as realizações na vida, uma vez que o patinho feio nunca imaginou ser um belo cisne.

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Como trabalhar a história

AULA 01

1º momento: o professor ou psicopedagogo deverá iniciar a aula apresentando uma atividade do “Mix and Match puzzle” questionando as possibilidades de montagem, e fazendo perguntas que sejam transcendentes, relacionadas ao entendimento do que é ser diferente, da importância de ser diferente e questionamentos relacionados ao bullying. Então questionar se os alunos conhecem a fábula do “Patinho Feio”, observar os conhecimentos prévios dos alunos sobre o assunto e contar a história.

 2º momento: dando continuidade, o professor ou psicopedagogo deverá propor aos alunos um exercício reflexivo sobre algo ou alguma passagem em suas vidas que se relacione ou tenha semelhança com a história clássica vivida pelo “Patinho Feio”, contextualizando momentos em que se sentiram diferentes dos outros e que, por isso, foram rejeitados ou excluídos do grupo. Remeter a lembrança de como os alunos se sentiram nesses momentos, como foi rejeitar ou mesmo excluir alguém de um grupo, como pensam que estas pessoas se sentiram, momentos em que se esforçaram e superaram as suas dificuldades, transformando seu jeito de ser e de fazer as coisas.

Esta é uma experiência que possibilita diagnosticar os possíveis “problemas” de aprendizagem e aqueles que interferem na convivência diária entre os alunos e a reconhecer as tentativas de mudança de cada um.

3º momento: o professor ou psicopedagogo contará a história de Pedro e Tina, um outro livro que retrata a questão da aceitação de si mesmo. Após a leitura, o professor ou psicopedagogo solicitará que os alunos façam um auto retrato, realçando os aspectos positivos e o que eles consideram como aspectos negativos.

 AULA 02

1º momento: para o primeiro momento da segunda aula o professor ou psicopedagogo irá trabalhar com os alunos a partir de uma dinâmica chamada “Jogo das diferenças” (anexo A). Essa dinâmica possibilita trabalhar certos aspectos, como por exemplo, a percepção de si mesmo, auto-imagem e perceber se a auto-imagem corresponde à imagem que o grupo faz de sua pessoa.

Após a dinâmica, o professor ou psicopedagogo abre espaço para discutir com os alunos as observações que eles tiveram da ‘brincadeira’, introduzindo questões sobre aceitar as diferenças no outro, em si mesmo e a questão do bullying, violência que é acometida dentro do âmbito escolar, mas que também pode emergir dentro do contexto familiar.

2º momento: os alunos irão reproduzir a história do patinho feio por meio de representação gráfica – desenho, pintura, colagem de gravuras, dobradura, dentre outros – das conquistas, dos êxitos, do desenvolvimento pleno das potencialidades, enfim, de tudo aquilo que cada um tem procurado transformar em sua vida, dando o melhor de si.

Neste terceiro momento o professor irá mostrar os pontos positivos de seus alunos tais como: as vitórias que já obtiveram até agora como: aprender a ler, jogar futebol, resolver problemas lógicos matemáticos, andar de bicicleta, entre outras experiências que demonstrem esse aspecto evolutivo.

Concluída a atividade, forma-se uma grande roda para que todos socializem seus trabalhos. Em seguida, estas produções dos alunos deverão ser colocadas em um painel da sala de aula, juntamente com os auto retratos.

Aspectos intrapessoais

Trabalhar aspectos relacionados à auto-estima, bem como mudanças corporais, auto-aceitação, valorização das conquistas diárias e superação de situações conflituosas ou que causaram constrangimento.

 Aspectos interpessoais

Trabalhar as relações entre os alunos, relacionadas à diversidade, se eles aceitam as diferenças, se eles oprimem com comportamentos agressivos, se eles rejeitam, discriminam, excluem ou praticam outro tipo de bullying com os colegas de classe.
Além de todos os pontos explorados com a atividade, a fábula apresentada teve por finalidade aproximar e fortalecer os vínculos entre os alunos e também com o professor ou psicopedagogo.

Aspectos ecológicos institucionais

Trabalhar a relação dos alunos com a escola, visando a mudança de percepção dos mesmos em relação à ela, mostrando que a escola pode e deve ser um lugar de paz e amizade, onde todos podem colaborar e cooperar uns com os outros na superação de seus obstáculos, respeitando os limites e as diferenças internas e externas de cada um.

 

 

Por André Groba

As causas sociais do fracasso escolar

Segundo Lurçat (1987), para uma melhor compreensão dos fatores que geram o fracasso escolar na rede pública de ensino é preciso, antes de tudo, compreender que a realidade social é produzida historicamente e que, em seu cerne há motivações que guiam para a mudança do cenário atual, mas que ao mesmo tempo, guiam para a reprodução das relações sociais. Nesse ínterim, ao tentar abarcar a questão da educação no país e as causas do fracasso escolar, este entendido como o fracasso do aluno, sua reprovação, aprovação com baixo percentual de aprendizagem e/ou evasão, deve ser levado em consideração todos os aspectos históricos, políticos, sociais, econômicos e culturais que estão envolvidos neste complexo assunto.

Swartz (1981) explica que Pierre Bourdieu, um sociólogo francês, vai apontando em suas obras, a temática que perpassa a relação entre o sistema de ensino superior e a estrutura de classes sociais. Ele explica que a educação, da maneira como se encontra estruturada e estratificada serve para manter a desigualdade social, mais do que para reduzi-la. Isso porque ela contribui para a reprodução das relações de poder e das relações simbólicas entre as classes sociais. O sistema educacional superior acaba transmitindo privilégios e status àqueles que desejam manter-se no poder. Mas claro que isso ocorre de forma indireta, quase que imperceptível, pois não há uma coerção direta ou uma violência física instaurada para manter o controle social; os meios de controle social se dão de maneira discreta para perpetuar a herança social dos grupos dominantes. Bourdieu também se vale do conceito de capital cultural em suas obras – esta pode ser entendida como as habilidades, disposições, conhecimento e antecedentes culturais gerais que se assemelham aos bens econômicos produzidos, distribuídos e consumidos pelos indivíduos e grupos. Para conseguir analisar e justificar algumas das causas sociais que criam o fracasso escolar, o autor menciona o fato de haver relação entre muitas crianças carentes terem pais cuja história educacional sempre foi mínima – a isso ele denominou de background cultural. Outro fator é quando a educação se torna uma diferença, ou seja, o aluno pobre que se torna academicamente bem-sucedido e que sabe que depende da escola para adquirir seu capital cultural. Ele ainda se faz valer do conceito de “ethos de classe” – “um sistema de valores implícitos e profundamente internalizados que participa na definição das atitudes em relação ao capital cultural e às instituições educacionais” (1981, p.37) para explicar o fracasso escolar.

Outra autora que segue mesmo pensamento é Sawaya (2002). Ela explica que há inúmeros estudos que mostram que o fracasso escolar está presente em alunos provenientes das camadas sociais mais pobres, o que reforça a teoria da seletividade do sistema de ensino. No ramo da psicologia, as primeiras teorias buscavam explicações a respeito do fracasso escolar baseado nas diferenças individuais relacionadas ao desempenho entre os alunos. Algumas dessas teorias, como a Teoria da Carência Cultural, se apoia na ideia de que o fracasso do aluno de camada popular se deve a deficiências e/ou déficit, privação cultural – tudo decorrente da sua condição precária de vida. As deficiências seriam encontradas na suposta existência de problemas psíquicos de natureza emocional ou na suposição de que o ambiente carente gera deficiências cognitivas, psicomotoras, perceptivas, afetivas, emocionais e de linguagem. Uma outra teoria, a Teoria da Diferença Cultural, baseia-se no fato de que o aluno pobre fracassa na escola por ser diferente dos outros alunos de classes média e alta. Esses alunos, por pertencer a uma cultura diferente, são desconsiderados e desvalorizados pela escola (SAWAYA, 2002).

De acordo com Patto (s/d), as escolas públicas, no modelo obrigatório e gratuito, foram pensadas a partir das revoluções burguesas ocorridas nos séculos XVII, XVIII e XIX, e possuíam um objetivo de garantir uma educação boa e de qualidade. O ideal da escola única, ou seja, uma escola para todos, se difunde em países em que o Estado concorria com a Igreja Católica pelo controle do processo educacional. O Estado defendia uma formação voltada ao patriotismo nacional, muitas vezes com caráter militar. Já no século XX, movimentos em outros países passaram a reivindicar o modelo de escola única nos moldes europeus. Porém, é verificável que a escola única (gratuita, de qualidade e para todos) dentro de um sistema econômico capitalista é um mito, é impossível de se constituir como tal, e sua consequência é o fracasso escolar. Quando analisamos os dados que nos levam a tal afirmação acerca da escola única, notamos uma cerca dicotomia. Por um lado, os governos comemoram o fato da escola ser democratizada, cerca de 96,5% das crianças entre 7 e 14 anos estão matriculadas no ensino fundamental. De outro lado, se tem educadores, intelectuais tentando mostrar que esta mesma democratização significa o fracasso escolar no desempenho escolar dos alunos. Isso se dá porque, essa democratização do ensino, não significou uma mudança significativa na pirâmide educacional brasileira. Os alunos considerados “pobres” são fadados a uma trajetória escolar curta, chegam no máximo ao ensino médio (técnico), enquanto que os alunos ditos “ricos” possuem uma trajetória escolar longa, chegando até a pós-graduação. A distribuição das vagas de ensino médio entre as escolas públicas e privadas são dominadas quase que, preponderantemente, pelas de ensino público; isso não se dá no nível superior. As instituições privadas de ensino superior são a maioria. Esse fator só legitima a predestinação dos alunos das camadas populares à uma trajetória escolar que não contempla o ensino superior.

Vial (1987) relata que o primeiro fracasso escolar se dá pela incompetência da escola única em garantir que os alunos pobres possuam uma trajetória escolar longa. O segundo fracasso escolar se dá pelo fato da escolar não conseguir colocar os alunos em pé de igualdade com os alunos ricos no que tange ao vestibular. Isso acontece por uma maneira muito simples: a escola pública está organicamente comprometida com a divisão capitalista do trabalho. A escola deve preparar determinado tipo de aluno, o pobre, sobretudo, para os trabalhos de execução manual (subalternos), outros (minorias) para os postos dirigentes dentro desta concepção. Se a escola preparasse os alunos para uma qualificação extrema, em que todos fossem capazes de chegar ao nível mais longo da vida acadêmica, estaria agindo como um estado de políticas socialistas. Porém, a escola em nosso contexto econômico, age de acordo com uma política educacional seletiva, que faça correspondência com o modelo capitalista da divisão social do trabalho. A construção do mito da escola pública se faz justamente em exibir-se como uma instituição que garante a igualdade de oportunidade a todos aqueles que queiram se elevar economicamente e socialmente a partir do seu mérito pessoal, assim todos aqueles que se mostram capazes poderão chegar ao topo.

A escola pública se constituiu essencialmente diferenciadora e aparentemente igualitária; partindo dessa afirmação, chega-se à conclusão que a transformação da escola única a partir de um rompimento da instituição escolar com a divisão capitalista do trabalho só será possível dentro de um Estado democrático e socialista (SAVIANI, s/d).

Swartz (1981) ressalta que é na escola que as crianças passam grande parte de seu tempo e, a primeira imagem que têm de si mesmas é formada, quase sempre, na escola, pois é este o local onde, pela primeira vez uma criança se vê confrontada com outras crianças da mesma idade, sendo o parecer que o professor tem sobre a criança, um fator de grande influência no desenvolvimento de valorização ou desvalorização dela, pois o poder do professor se manifesta na nota, na apreciação dos trabalhos, na atenção dada, nos julgamentos e impaciências, no descontrole, na irritação, etc. É preciso que os professores percebam o quão importante é levar em consideração que todas as crianças são seres humanos e, portanto, devem ser respeitadas. Igualmente importante é perceber que todo fracasso na transmissão de conhecimento (o que não é a única função da escola) tem dois pólos: um a nível de quem recebe o conhecimento e, outro, a nível de quem o transmite.

Sawaya (2002) expõe que a desvalorização a que se sujeita uma criança constantemente faz com que esta criança se auto desvalorize, reduzindo desta forma suas possibilidades, sendo o oposto também verdadeiro. Observa-se que a adaptação à escola é mais comum à pequena e média burguesia e a não-adaptação se dá mais frequentemente entre as crianças da classe operária e muitas vezes esta dificuldade de adaptação pode ser resolvida pelo empenho do professor em observar esta criança e encontrar uma maneira de facilitar a adaptação. O mesmo se dá no que diz respeito à aprendizagem. Muitas vezes uma outra maneira de ensinar faz com que o aluno se interesse e obtenha sucesso. Vemos que o fracasso escolar pode estar ligado à estigmatização a que a criança foi exposta e que persistiu no adolescente, desinteressando-o pela escola.

Para Lurçat (1987) mudar o estilo de transmissão de conhecimentos implica na mudança de ideologia mais do que numa mudança pedagógica.  A primeira mudança acarretaria a segunda e o resultado seria e será o ganho de aprendizagem. Sabe-se ainda que os conhecimentos a serem transmitidos e adquiridos talvez devam ser diferentes de acordo com a função que terão na idade adulta das pessoas, no entanto, o fracasso na aprendizagem da leitura fará com que a criança tenha prejudicado seu contato com a língua escrita, o que por sua vez a afastará de um posicionamento mais crítico perante a sociedade, prejudicando também sua visão de mundo. A escola tende a dobrar o caráter das crianças do povo esmagando-lhes o caráter ou preparando-as para a opressão, esforçando-se por formar seres submissos e ignorantes, mas a escola pode também fazer com que essas crianças desenvolvam o julgamento, o raciocínio, a tomada de consciência social, aprendendo a defender-se e aprender cada vez mais.

Os professores podem ajudar as crianças e a julgar, a pensar de maneira justa partindo da análise da realidade. As opiniões das crianças devem ser levadas a sério e discutidas, mas isso não significa ignorar a análise da realidade (LURÇAT, 1987).

A manutenção de uma sociedade dividida em classes sociais coloca uma separação entre o conhecimento necessário à produção de bens e serviços e o conhecimento destinado à uma esfera intelectual. Para as necessidades burguesas só se escolarizarão as crianças que se tornarão técnicos ou operários muito qualificados. A desvalorização é uma forma sutil de opressão. Opressão engendra revolta. Vivida como opressão, a desvalorização pode engendrar o ressentimento que por sua vez, acumulado contra os que, sistematicamente, põem em destaque os lados mais fracos, que ridicularizam e desprezam perante aos demais, pode transformar-se em ódio (SAES, 2008).

Vial (1987) explica que para evitar a perturbação da aprendizagem e o desinteresse, dois pólos do fracasso escolar, a pedagogia da leitura e da escrita deve aliar o domínio do gesto, o controle das atitudes, a atenção e o interesse dos alunos. É uma pedagogia completa, na qual o professor deve engajar-se totalmente e dedicar o máximo de sua atenção, respeitando o ritmo de cada criança e, encontrando dificuldades, investigar a causa dessas dificuldades e não apenas taxando a criança como difícil e abandonando-a, pois toda rejeição é uma condenação.

Patto (s/d) relata que a criança na escola pública se deu após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, porque a partir de então os camponeses começaram a vir para os grandes centros urbanos, então se viu a necessidade de criar escolas. No final do século XIX e começo do século XX, começa um movimento forte da classe dos trabalhadores querendo uma escolarização para ter uma ascensão social. Há uma forte pressão sobre o governo; com isso se teve uma expansão das escolas do Brasil e também nos principais países capitalistas, mas embora a classe dos trabalhadores conseguisse através dos movimentos uma escola pública para todos, tem-se um problema que é a estrutura dessas famílias que não tem condições de competir em pé de igualdade com crianças vindas de famílias da classe dominante. Com isso, as crianças das classes sociais desfavorecidas tinham mais dificuldades em sua formação escolar, além de ter alguns professores que discriminavam os alunos pobres. Outra idéia foi que o problema da não aprendizagem desses alunos seria hereditário, aqui está um grande problema do fracasso escolar – se tem uma ilusão de escola para todos, mas as famílias com poder aquisitivo maior colocam seus filhos em colégios particulares que, devido à essa precariedade da escola pública, esses colégios particulares se tornaram os melhores nos dias de hoje. Enquanto a escola pública e gratuita está fracassada com baixos salários, desvalorização da profissão, esses são os fatores que contribuem para o fracasso escolar.

Mas em que consiste o fracasso escolar? E este fracasso escolar perante a democratização do ensino? Essas são algumas questões levantadas por Monique Vial (1987). E que conclusão a autora chega: que o fracasso escolar está ligeiramente ligado às classes sociais, heranças intelectuais que a mesma recebe e justamente como ela disse, na escola não ser democrática.

Toda escola se parte do princípio que é um lugar onde definitivamente o caráter democrático da escola se afirma. Ali, as diferenças desaparecem ou deveriam desaparecer. Não deve ser um lugar privilegiado, onde a igualdade social se solidifica e a oportunidade se materializa. Só que não é isso que se vê. A função ideológica da escola se distancia do sistema a qual a escola está inserida. Ela preenche, como podemos dizer, de “metáforas”, que não se compreende no todo para afirmar algo ao particular. Os maus alunos evidenciam isso, a sua representação ideológica do seu fracasso (VIAL, 1987).

Com isso, há uma psiquiatrização no fracasso escolar. A criança, em seu ano inicial de ensinamento, não aprende devido às características pessoais. Depois, um deslocamento do pessoal ao histórico familiar dela. É um avanço, mas ainda embasada no que a autora chama de “determinismo orgânico da adaptação escolar”. Com isso, há apenas uma abordagem única perante o fracasso escolar. Mas há um motivo por trás dessa posição unívoca: a seleção e segregação. Na escola onde, teoricamente, desaparecem os motivos de conflitos sociais, é na “anormalidade” do aluno que se inicia um processo de seleção dos apenas ditos “normais”. Triagem para uma escolarização mais curta. E é algo sério, pois um aluno que não aprende em suas séries iniciais, tem forte tendência ao não acompanhamento nas séries seguintes. O processo não é apenas psicopedagógico, mas administrativo e circunstancial (VIAL, 1987).

Sawaya (2002) afirma que é uma seleção que o meio social necessita. Uma escola em que é colocada uma divisão. As taxas de repetência são maiores na escola pública do que a particular. E quem é levado ao fracasso escolar: as classes sociais mais baixas, de filhos de operários, onde são excluídas das heranças sociais escolares e intelectuais, como já havia dito acima. Aonde se contesta isso: na super-representação das classes mais altas no ensino superior e secundário.

Claro que não se deve deixar de lado os mecanismos psicológicos do fracasso escolar. É importante esse aspecto. Só é preciso levar em consideração em relação à política escolar geral. O fracasso escolar é um fenômeno social. Na visão de que o problema é apenas pedagógico, há contradição perante o antagonismo que existe do lado de fora da escola. Há divisões sociais, mesmo perante aos avanços de estado de bem-estar social, como no caso observado e descrito mais diretamente à realidade francesa (PATTO, s/d).

A “situação social dos seus filhos na escola é uma defasagem entre as escolas e famílias das crianças de classes desfavorecidas em que repousa essa posição (…) a raiz da situação social em geral” (VIAL, pg.22). No Brasil, o aspecto só é deslocado onde o fracasso se dá no sistema escolar público e o privilégio de acesso é dos alunos das escolas particulares.

A Lei de Diretrizes de Bases (LDB) de 1996 vem justamente, na realidade brasileira, combater o processo de fracasso escolar. Atinge-se a universalização e a aprovação automática, instrumento que serve para não permitir a evasão e o fracasso, mas torna-se um problema, onde o aluno agora é levado a passar para não permitir o fracasso da série, mas no aspecto individual, o aluno não aprende. O acesso à universidade vem com uma série de programas, e os alunos ainda deficientes em alguns aspectos, se esforçam numa sociedade construída por heróis da conquista financeira, o Aquiles do século XXI, a geração “self”, que permite levar sucesso apenas (SAES, 2008).

São alguns desses desafios do costume brasileiro que ainda não foram respondidas. O fracasso social é o fracasso escolar aqui. Não se vê que o fracasso escolar é, na verdade, uma sociedade dividida em um modelo de escola que se quer (e uma sociedade também em conflito). Temos o material humano, social e aspectos mais sólidos do que antes para promover pequenas revoluções no sistema escolar brasileiro. O trabalho é duro, desde já, mas somente com uma educação que provoque mudanças culturais (aí nesse aspecto sim, a educação pode promover mudanças), onde não desaparece o ser do povo brasileiro, é que as suas mudanças são na ordem pública de se ver e de mudar o local onde mora, onde se vive, onde a cidadania é a construção de um novo ethos social (SAES, 2008).

Referências:

LURÇAT, L. Desvalorização e autodesvalorização da escola. In: Brandão, Z. (org.) Democratização do ensino: meta ou mito? 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1987.

PATTO, M.H. A criança da escola pública. S/D.

SAES, D.A.M. Escola pública e classes sociais no Brasil atual. In: Linhas Críticas, n.27. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2008.

SAVIANI, D. Problemas sociais e problemas de aprendizagem. S/D.

SAWAYA, S.M. Novas perspectivas sobre o sucesso e o fracasso escolar. In: Oliveira, M.K. de; Souza, D.T.R.; Rego, T.C. (orgs.) Psicologia, Educação e as Temáticas da Vida Contemporânea. São Paulo: Ed. Moderna, 2002.

SWARTZ, D. Pierre Bourdieu: a transmissão cultural da desigualdade social. In: Patto, M.H.S.(org.) Introdução à psicologia escolar. São Paulo: Ed. T.A.Q., 1981.

VIAL, M. Um desafio à democratização do ensino: o fracasso escolar. In: Brandão, Z. (org.) Democratização do ensino: meta ou mito? 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1987.

 

Por André Groba

A aprendizagem pelo lúdico, segundo alguns teóricos

Jean Piaget

A forma como os psicólogos contemporâneos compreendem as mudanças intelectuais aliado ao crescimento físico das crianças foi profundamente influenciado pelo psicólogo suíço Jean Piaget (1896 – 1890), reconhecido como um dos mais influentes do século (ATKINSON; ATKINSON; SMITH; BEM; NOLEN-HOEKSEMA, 2002). Os autores pontuam que, anteriormente ao pensamento piagetiano, entendia-se o desenvolvimento cognitivo das crianças através da perspectiva de maturação biológica, a qual enfatizava a “natureza” como um componente exclusivo, aliado à perspectiva da aprendizagem ambiental, que focava na experiência como um fator preponderante. Já Piaget perscrutou em seus estudos, a relação da interação entre as capacidades de maturação natural da criança e seu contato com o ambiente.

De acordo com Martins, André e Oliveira (2006), a visão construtivista-interacionista de Piaget concebe a inteligência como aquela que permite a existência de duas capacidades distintas e complementares: a organização e a função.

Os autores ressaltam que a primeira capacidade da inteligência engloba uma aptidão da organização do indivíduo, uma vez que, para realizar qualquer coisa, é preciso organizar as ações demandadas para tal. Quando a criança brinca, ela utiliza sua inteligência para organizar suas ações com os brinquedos, o que fazer com eles, para onde levá-los, etc. A segunda capacidade corresponde à aptidão adaptativa do indivíduo, já que desde o nascimento, inúmeras situações emergem, necessitando e demandando formas de lidar com. Um exemplo disso é o enfrentamento de um bebê, que já nasce num mundo falante, mas ainda não fala. Sua capacidade para lidar com tal situação dependerá dos estímulos oferecidos pelo ambiente, da capacidade biológica e genética/hereditária, da maturação neurofisiológica e das condições sociais do indivíduo, que irão poder lhe ofertar as condições adequadas para a sua adaptação no mundo e o desenvolvimento da fala, por exemplo.

Um outro conceito da teoria de Piaget é a equilibração majorante. Esta pode ser definida a partir de um conflito cognitivo que requer de um indivíduo que ele busque o reequilíbrio. Ao reequilibrar-se, o indivíduo cria esquemas: estruturas intelectuais que permitem que ele aprenda mais e se desenvolva mais (ATKINSON et al., 2002).

Os autores explicam que os esquemas são estruturas cognitivas que estão atreladas à uma classe de sequências de ações semelhantes, que compõem totalidades delimitadas mentalmente e que propicia ações encadeadas.

De acordo com Rizzi e Haydt (1994), o ciclo adaptativo de um indivíduo é construído por dois processos: a assimilação e a acomodação. O primeiro corresponde à aplicação de esquemas anteriores às novas situações, incorporando à tais esquemas os novos elementos. Este conceito refere-se à capacidade do indivíduo de incorporar objetos da cognição à sua estrutura cognitiva, ou seja, assimilar é absorver o objeto de conhecimento atrelando-o ao conhecimento prévio que o indivíduo tem. Já o processo de acomodação diz respeito à reestruturação e modificação de esquemas para propiciar condições de adquirir novos conhecimentos.

Atkinson et al. (2002) expõem os quatro estágios de desenvolvimento cognitivo estabelecidos por Piaget e suas características principais, analisados abaixo.

  • Estágio sensório-motor (do nascimento aos 2 anos): diferencia a si mesmo dos objetos; reconhece o eu como agente de ação e começa a agir intencionalmente (puxa um fio para colocar um móbile em movimento ou balança um chocalho para fazer barulho);
  • Estágio pré-operatório ou objetivo-simbólico (dos 2 aos 7 anos): aprende a usar a linguagem e a representar objetos por imagens e palavras; tem dificuldade para assumir o ponto de vista dos outros, pois o pensamento ainda é egocêntrico; classifica os objetos por uma única característica, por exemplo, quando agrupa juntos todos os blocos vermelhos, independentemente da forma, ou todos os blocos quadrados, independentemente da cor;
  • Estágio operatório-concreto (dos 7 aos 11 anos): é capaz de pensar logicamente sobre objetos e eventos; compreende a conservação de número (geralmente aos seis anos), massa (aos sete anos) e peso (aos nove); classifica os objetos de acordo com diversas características e é capaz de ordená-los em uma única dimensão, como tamanho, por exemplo;
  • Estágio operatório-formal (a partir dos 11 anos): é capaz de pensar logicamente sobre proposições abstratas e testar hipóteses de forma sistemática; desenvolve interesse por problemas hipotéticos, futuros e ideológicos.

 

Lev Semenovitch Vygotsky

Um outro teórico muito importante no campo da aprendizagem é Vygotsky. De acordo com Atkinson et al. (2002), Vygotsky preconizava que a aprendizagem era responsável pelo desenvolvimento, o que valoriza o papel e função do professor. Mas para que se possa acontecer a aprendizagem e o desenvolvimento existe o processo de internalização. Na interação com os outros, o indivíduo trilha o caminho para a construção do conhecimento sociocultural.

Bock, Furtado e Teixeira (2000) explica que para ocorrer a evolução no conhecimento, Vygotsky fundamentou o conceito de zona de desenvolvimento: trata-se de um olhar para a aprendizagem de forma prospectiva, futura. Há duas zonas de desenvolvimento no sujeito: uma real, englobando o que já foi internalizado e uma potencial, que corresponde ao que se pode aprender e desenvolver. É necessário uma mediação apropriada para que se possa alcançar a zona de desenvolvimento potencial, sendo que a distância entre uma zona e outra é denominada de zona de desenvolvimento proximal, pois está próximo a ocorrer, necessitando apenas de um processo interpessoal eficaz.

Martins (1997) ressalta que a psicologia sócio-histórica de Vygostsky traz uma concepção acerca de que o homem se constitui como ser humano a partir das relações que ele estabelece com os outros. O autor ainda explica que ao nascer, o indivíduo é socialmente dependente dos outros, o qual imerge um processo em que lhe é oferecido os dados sobre o mundo e as visões a respeito do mesmo, ao mesmo tempo em que é possível construir uma visão pessoal sobre este mesmo mundo. O ponto culminante na teoria de Vygotsky se dá na reflexão em relação ao processo de interação e, em específico, é importante e relevante principalmente aos educadores, que medeiam suas ações através de intervenções pedagógicas no ensino da construção do conhecimento.

(…) Quando nos referimos ao valor das interações em sala de aula, é importante pensarmos que este referencial não compactua com a idéia de classes socialmente homogêneas, onde uma determinada classe social organiza o sistema educacional de forma a reproduzir seu domínio social e sua visão de mundo. Também não aceitamos a idéia de sala de aula arrumada, onde todos devem ouvir uma só pessoa transmitindo informações que são acumuladas nos cadernos dos alunos de forma a reproduzir em determinado saber eleito como importante e fundamental para a vida de todos.

(…) Quando imaginamos uma sala de aula em um processo interativo, estamos acreditando que todos terão possibilidade de falar, levantar suas hipóteses e nas negociações, chegar a conclusões que ajudem o aluno a se perceber parte de um processo dinâmico de construção (MARTINS, 1997, p.111-122).

 

Melanie Klein

Segundo Noronha (2008), Melanie Klein sempre reconheceu ter se inspirado na obra freudiana para compor sua Psicanálise da criança. “Procurei resgatar, em parte, a grande dívida que tenha para com essa ciência” (KLEIN, 1932, p.10 apud NORONHA, 2008, p.44).

Freud já havia chocado a sociedade ao expor questões que envolviam a sexualidade da criança; Klein foi além, relatando a crueldade, o terror e a força dos ataques do pensamento infantil. Noronha (2008, p.55) explica que

Ao longo de todo seu trabalho, Freud deixou clara a importância de uma observação direta das perturbações neuróticas na criança, a qual possibilitaria trazer à consciência os impulsos sexuais e as formações construídas pelo desejo – tão difíceis de serem atingidas no adulto. Com isso, quase fica estabelecido que a criança teria uma “falha” em relação à técnica psicanalítica, enquanto portadora de um vocabulário pobre e associações insuficientes. Além disso, a criança só mantém frágeis relações com a realidade e, como não tem consciência de sua doença, não buscaria uma análise.

Freud (1909) já havia mostrado a importância da curiosidade sexual para o desenvolvimento do saber, e Klein aprofunda-se, constatando que a repressão dessa primeira forma da necessidade do saber pode levar a graves inibições intelectuais. E foi em 1926, em seu artigo Princípios psicológicos da análise infantil, que Klein sistematizou suas concepções sobre os brinquedos e o brincar como instrumentos de análise.

A autora ainda ressalta que os brinquedos para a criança, na visão de Klein, são o meio pelo qual ela se expressa simbolicamente, suas fantasias, desejos e experiências vividas. A ação é anterior à palavra ou pensamento, o que possibilita a sua expressividade através dos brinquedos e jogos.

Hinshelwood (1992 apud NORONHA, 2008) explica que deve-se interpretar uma brincadeira de criança da mesma forma que se interpreta um sonho, pois é pelas brincadeiras que elas dominam as experiências dolorosas impostas pela realidade e, consequentemente, as crianças atribuem um final feliz à elas.

De acordo com Noronha (2008), Klein buscou um método de análise e investigação do brincar infantil, pois percebeu que as crianças e os bebês possuem uma fantasia de criar um mundo dentro deles mesmos, absorvendo os elementos do mundo externo. Desta maneira, o mundo interno delas sofre projeções que fazem do mundo externo, seja os impulsos amorosos quanto aqueles carregados de ódio e, com isso, o mundo externo adquire vida, sentido e importância. E Klein atribui à interação equilibrada de projeções e introjeções, por meio das fantasias inconscientes, o processo de formação do mundo interno da criança, que se perpetua ao longo da vida.

 

Donald Woods Winnicott

Winnicott em seus atendimentos terapêuticos infantis, frequentemente utilizava uma modalidade denominada de jogo dos rabiscos (MOTTA, 2008). A autora continua explicando que ele empregava papéis de diferentes tamanhos e lápis. Era traçado um rabisco qualquer numa das folhas brancas e, em seguida, ele solicitava que a criança realizasse um desenho a partir daquele rabisco. Após essa etapa, o paciente fazia um rabisco e Winnicott aproveitava para elaborar um desenho a partir do rabisco. Quando a criança pedia para desenhar na folha maior, ela estava demonstrando que iria comunicar algo muito importante e significativo para ela.

Em um momento adequado, após a chegada do paciente, geralmente após pedir ao genitor que o acompanha para ir para a sala de espera, digo à criança: “Vamos jogar alguma coisa. Sei o que gostaria de jogar e vou lhe mostrar”. Há uma mesa entre a criança e eu, com papel e dois lápis. Primeiro apanho um pouco de papel e rasgo as folhas ao meio, dando a impressão de que o que estamos fazendo não é freneticamente importante, e então começo a explicar. Digo: “Este jogo que gosto de jogar não tem regras. Pego apenas o meu lápis e faço assim…” e provavelmente aperto os olhos e faço um rabisco às cegas. Prossigo com a explicação e digo: “Mostre-me se se parece com alguma coisa a você ou se pode transformá-lo em algo; depois, faça o mesmo comigo e verei se posso fazer algo com o seu rabisco” (WINNICOTT, 1968, p.232 apud MOTTA, 2008, p.62).

Oliveira (2010) explica que, para Winnicott, o brincar corresponde à uma ponte entre o mundo interno e externo da criança, e somente assim é possível desenvolver a criatividade e integrar sua personalidade, o que propicia que ela descubra o seu eu real.

A importância do brincar é sempre a precariedade do interjogo entre a realidade psíquica pessoal e a experiência de controle de objetos reais. É a precariedade da própria magia, magia que se origina na intimidade, num relacionamento que está sendo descoberto como digno de confiança. Para ser digno de confiança, o relacionamento é necessariamente motivado pelo amor da mãe, ou pelo seu amor-ódio ou pela sua relação de objeto, não por formações reativas. Quando um paciente não pode brincar, o psicoterapeuta tem de atender a esse sintoma principal, antes de interpretar fragmentos de conduta (WINNICOTT, 1975, p.71 apud MOTTA, 2008, p.70).

Motta (2008) enfatiza que a experiência do brincar oferece condições fundamentais para o contato com o inconsciente. A brincadeira é primária ao indivíduo e representa uma forma básica de viver saudavelmente, conduzindo aos relacionamentos interpessoais e grupais. O ambiente possui fatores externos, que se sobrepõem aos internos, e há também as falhas ambientais, que são a causa da etiologia de quadros psicopatológicos.

 

Henry Paul Wallon

Segundo Galvão (2003), Wallon foi adepto da corrente epistemológica materialista histórica e dialética, assim como Vygotsky. Sua teoria foi construída pela psicogênese, indicando que o início da vida é que a história do indivíduo começa a ser constituída. A compreensão acerca de um determinado comportamento da pessoa não deve ser analisada mediante apenas um determinado momento de sua vida, mas deve-se partir de sua gênese.

Wallon (1979 apud GALVÃO, 2003), ressalta que não há como compreender o homem sem olhar as suas condições de existência (fatores que implicam no seu ritmo de desenvolvimento). O próprio destacou três leis reguladoras do desenvolvimento humano: a alternância funcional (determina que o sujeito ora volte-se para si mesmo e ora para o conhecimento do mundo), a alternância da predominância (apresenta um conjunto funcional de um estágio dos momentos de interação do sujeito em seu contexto de existência) e a integração funcional (corresponde aos conjuntos funcionais – cognitivo, afetivo e motor – estarem integrados todo o tempo, sendo expressos no quarto conjunto, a pessoa).

Galvão (2003) explana que o conjunto funcional motor é aquele que corresponde à movimentação do corpo, as posturas, expressão do conjunto afetivo, isto é, o corpo mostra o que se sente, os movimentos involuntários, manipulação de objetos e interação com o mundo externo. Já o conjunto funcional cognitivo é o agente que coordena a racionalidade, separa, distingue, seleciona, decide e organiza tudo mentalmente. O ato de falar está relacionado aos dois conjuntos – motor e cognitivo, além de ser parte do aspecto afetivo também. Este último pode ser afetado por fatores internos e externos, sofrendo influência de três sensibilidades: interoceptiva (sensações viscerais), proprioceptiva (sensações provocadas pela musculatura e estruturas de sustentação) e exteroceptiva (ligada aos cinco sentidos).

Wallon (1979 apud GALVÃO, 2003) também criou suas fases de desenvolvimento, sendo essas:

  • Impulsivo-emocional (0 a 1 ano): mostra como a afetividade proporciona um desenvolvimento no bebê através do contato com seu cuidador;
  • Sensório-motor e projetiva (1 a 3 anos): determina a aprendizagem da fala e da marcha e desenvolve o simbolismo e a representação;
  • Personalismo (3 a 6 anos): forma-se a personalidade da criança, passando pelas seguintes fases: oposição, sedução e imitação, criando um modelo próprio de personalidade e se diferenciando do outro;
  • Categorial (6 a 11 anos): desenvolve atenção voluntária e planejamento, além de basear sua percepção por categorias intelectuais;
  • Puberdade e adolescência (11 até 19 anos): o objetivo desta fase é estruturar uma personalidade mais bem definida para chegar equilibrado à idade adulta, e é nessa fase que o indivíduo precisa aprender a lidar com seus instintos, adequar-se ao novo corpo e ajustar-se às demandas que o mundo e a sociedade impõem a todos.

 

Reuven Feuerstein

Segundo Gonçalves e Vagula (2012), Feuerstein postulava que o professor mediador deve olhar para além da transmissão de conhecimentos; ele deve focar nos processos acionados pelo pensamento dos alunos ao lidarem com determinada situação ou conteúdo, como formas de desenvolver a parte cognitiva.

Tzaban (2009 apud GONÇALVES; VAGULA, 2012) afirma que na teoria de Feuerstein, a adaptabilidade humana em relação ao meio é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, haja visto que para sobreviver, o homem deve alterar o ambiente, ajustando-o às suas necessidades e altera a si próprio para sustentar-se no meio. Essa mudança de comportamento visando sua adaptação é o que pode ser descrito como aprendizagem.

Os autores pontuam que a aprendizagem significativa não ocorre pelo acúmulo de conteúdos e conhecimentos. Essa é a aprendizagem mecânica.

Um outro conceito proposto por Feuerstein diz respeito à modificabilidade cognitiva estrutural. Gonçalves e Vagula (2012, p.07) ressaltam que

Por Modificabilidade Cognitiva Estrutural, podemos entender uma tendência, uma propensão do sujeito a assimilar e acomodar os objetos do conhecimento de modo que cause impacto em toda a rede estrutural cognitiva relacionada com aquela realidade. O sujeito aprende mais além do mero aprendizado local. Do objeto, ele retira informações e relações internas, relaciona com informações e relações implícitas em seus esquemas prévios, revisa e remodela toda a realidade construída anteriomente (reaprende o aprendido) e modifica sua maneira de organizar todos os objetos futuros que estejam ligados àquele presente no momento da aprendizagem. Tendo realizado isso, diremos que ocorreu uma Modificação da Estrutura Cognitiva, sendo que Modificabilidade é uma tendência autônoma do sujeito a realizar tal modificação diante da necessidade de conhecer o novo.

Segundo os autores, Feuerstein estabeleceu que o desenvolvimento cognitivo ocorre de duas maneiras com a interação da criança e o meio: uma pela percepção, assimilação e processamento direto dos estímulos existentes ao seu redor; a outra forma é através da mediação cognitiva com aqueles com quem se convive.

Mediação é a interposição intencional e planejada do mediador que age entre as fontes externas de estímulo e o aprendiz. A ação do mediador deve solicionar, dar forma, focalizar, intensificar os estímulos e retroalimentar o aprendiz em relação às suas experiências a fim de produzir aprendizagem apropriada intensificando as mudanças no sujeito (FEUERSTEIN, 1998).

 

Jerome Bruner

De acordo com Raposo (1995), a teoria de Bruner se baseava na ideia de que o desenvolvimento cognitivo depende da interiorização de acontecimentos dentro de um sistema de armazenamento. Há uma necessidade de interações sistemáticas e contingentes com os educadores através de processos de mediação, ou seja, o papel dos educadores não deve visar apenas na transmissão de conteúdos, mas na interpretação da cultura. O autor ainda coloca que a linguagem facilita o ensino, além de poder organizar o meio ambiente, sendo que ela também tem função progressiva na representação do mundo exterior. Para Bruner, de acordo com Raposo (1995), existem estágios de desenvolvimento cognitivo: respostas motoras (até os 3 anos, a ação é a forma de representação da realidade, busca-se representar o mundo pelo toque, manipulação, deslocamento dos objetos, etc); icônico (dos 3 aos 10 anos, a representação da realidade é visual, tem-se capacidade de reprodução de imagens, porém sem transposição – propriedades exteriores são fixadas pelas imagens); simbólico (dos 10 anos em diante, a linguagem surge como forma de representação da realidade, dentro de um sistema mais elaborado e especializado da atividade simbólica).

 

Referências:

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BOCK, A.M.B; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M.L.T. Psicologias: uma introdução ao estudo da psicologia. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 12 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

GONÇALVES, C.S.; VAGULA, E. Modificabilidade cognitiva estrutural de Reuven Feuerstein: uma perspectiva educacional voltada para o desenvolvimento cognitivo autônomo. Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, 2012. Disponível em: <http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2012/Psicologia_da_Educacao/Trabalho/06_10_59_1106-6841-1-PB.pdf>. Acesso em: 13/11/2016.

MARTINS, A.D.; ANDRÉ, R.L.; OLIVEIRA, V.B. O brincar da criança de cinco anos na escola. In:_________ Psicólogo inFormação, Universidade Metodista de São Paulo, Curso de Psicologia, v.1, n.1, 2006. São Bernardo do Campo: Metodista.

 MARTINS, J.C. Vygotsky e o papel das interações sociais na sala de aula: reconhecer e desvendar o mundo. 1997. Disponível em: <http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_28_p111-122_c.pdf>. Acesso em: 13/11/2016.

MOTTA, I.F. O inconsciente em debate: Winnicott: algumas implicações para a prática psicanalítica. In: O inconsciente e a clínica psicanalítica. Hermann, M.C. (org). São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2008.

 NORONHA, O. R. Inconsciente: uma possível leitura Kleiniana. In: O inconsciente e a clínica psicanalítica. Hermann, M.C. (org). São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2008.

OLIVEIRA, V.B. Jogos de regras e a resolução de problemas. Coleção: brinquedo, educação e saúde. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

RAPOSO, N. A teoria de Jerome Bruner e as suas implicações pedagógicas. Estudos de Psicopedagogia, Coimbra, Cap.II. 1995. Disponível em: <http://www.mat.uc.pt/~guy/psiedu2/bruner>. Acesso em: 13/11/2016.

RIZZI, L.; HAYDT, R.C. Atividades lúdicas na educação da criança. Editora: Ática, 1994.

 

Por André Groba