As causas sociais do fracasso escolar

Segundo Lurçat (1987), para uma melhor compreensão dos fatores que geram o fracasso escolar na rede pública de ensino é preciso, antes de tudo, compreender que a realidade social é produzida historicamente e que, em seu cerne há motivações que guiam para a mudança do cenário atual, mas que ao mesmo tempo, guiam para a reprodução das relações sociais. Nesse ínterim, ao tentar abarcar a questão da educação no país e as causas do fracasso escolar, este entendido como o fracasso do aluno, sua reprovação, aprovação com baixo percentual de aprendizagem e/ou evasão, deve ser levado em consideração todos os aspectos históricos, políticos, sociais, econômicos e culturais que estão envolvidos neste complexo assunto.

Swartz (1981) explica que Pierre Bourdieu, um sociólogo francês, vai apontando em suas obras, a temática que perpassa a relação entre o sistema de ensino superior e a estrutura de classes sociais. Ele explica que a educação, da maneira como se encontra estruturada e estratificada serve para manter a desigualdade social, mais do que para reduzi-la. Isso porque ela contribui para a reprodução das relações de poder e das relações simbólicas entre as classes sociais. O sistema educacional superior acaba transmitindo privilégios e status àqueles que desejam manter-se no poder. Mas claro que isso ocorre de forma indireta, quase que imperceptível, pois não há uma coerção direta ou uma violência física instaurada para manter o controle social; os meios de controle social se dão de maneira discreta para perpetuar a herança social dos grupos dominantes. Bourdieu também se vale do conceito de capital cultural em suas obras – esta pode ser entendida como as habilidades, disposições, conhecimento e antecedentes culturais gerais que se assemelham aos bens econômicos produzidos, distribuídos e consumidos pelos indivíduos e grupos. Para conseguir analisar e justificar algumas das causas sociais que criam o fracasso escolar, o autor menciona o fato de haver relação entre muitas crianças carentes terem pais cuja história educacional sempre foi mínima – a isso ele denominou de background cultural. Outro fator é quando a educação se torna uma diferença, ou seja, o aluno pobre que se torna academicamente bem-sucedido e que sabe que depende da escola para adquirir seu capital cultural. Ele ainda se faz valer do conceito de “ethos de classe” – “um sistema de valores implícitos e profundamente internalizados que participa na definição das atitudes em relação ao capital cultural e às instituições educacionais” (1981, p.37) para explicar o fracasso escolar.

Outra autora que segue mesmo pensamento é Sawaya (2002). Ela explica que há inúmeros estudos que mostram que o fracasso escolar está presente em alunos provenientes das camadas sociais mais pobres, o que reforça a teoria da seletividade do sistema de ensino. No ramo da psicologia, as primeiras teorias buscavam explicações a respeito do fracasso escolar baseado nas diferenças individuais relacionadas ao desempenho entre os alunos. Algumas dessas teorias, como a Teoria da Carência Cultural, se apoia na ideia de que o fracasso do aluno de camada popular se deve a deficiências e/ou déficit, privação cultural – tudo decorrente da sua condição precária de vida. As deficiências seriam encontradas na suposta existência de problemas psíquicos de natureza emocional ou na suposição de que o ambiente carente gera deficiências cognitivas, psicomotoras, perceptivas, afetivas, emocionais e de linguagem. Uma outra teoria, a Teoria da Diferença Cultural, baseia-se no fato de que o aluno pobre fracassa na escola por ser diferente dos outros alunos de classes média e alta. Esses alunos, por pertencer a uma cultura diferente, são desconsiderados e desvalorizados pela escola (SAWAYA, 2002).

De acordo com Patto (s/d), as escolas públicas, no modelo obrigatório e gratuito, foram pensadas a partir das revoluções burguesas ocorridas nos séculos XVII, XVIII e XIX, e possuíam um objetivo de garantir uma educação boa e de qualidade. O ideal da escola única, ou seja, uma escola para todos, se difunde em países em que o Estado concorria com a Igreja Católica pelo controle do processo educacional. O Estado defendia uma formação voltada ao patriotismo nacional, muitas vezes com caráter militar. Já no século XX, movimentos em outros países passaram a reivindicar o modelo de escola única nos moldes europeus. Porém, é verificável que a escola única (gratuita, de qualidade e para todos) dentro de um sistema econômico capitalista é um mito, é impossível de se constituir como tal, e sua consequência é o fracasso escolar. Quando analisamos os dados que nos levam a tal afirmação acerca da escola única, notamos uma cerca dicotomia. Por um lado, os governos comemoram o fato da escola ser democratizada, cerca de 96,5% das crianças entre 7 e 14 anos estão matriculadas no ensino fundamental. De outro lado, se tem educadores, intelectuais tentando mostrar que esta mesma democratização significa o fracasso escolar no desempenho escolar dos alunos. Isso se dá porque, essa democratização do ensino, não significou uma mudança significativa na pirâmide educacional brasileira. Os alunos considerados “pobres” são fadados a uma trajetória escolar curta, chegam no máximo ao ensino médio (técnico), enquanto que os alunos ditos “ricos” possuem uma trajetória escolar longa, chegando até a pós-graduação. A distribuição das vagas de ensino médio entre as escolas públicas e privadas são dominadas quase que, preponderantemente, pelas de ensino público; isso não se dá no nível superior. As instituições privadas de ensino superior são a maioria. Esse fator só legitima a predestinação dos alunos das camadas populares à uma trajetória escolar que não contempla o ensino superior.

Vial (1987) relata que o primeiro fracasso escolar se dá pela incompetência da escola única em garantir que os alunos pobres possuam uma trajetória escolar longa. O segundo fracasso escolar se dá pelo fato da escolar não conseguir colocar os alunos em pé de igualdade com os alunos ricos no que tange ao vestibular. Isso acontece por uma maneira muito simples: a escola pública está organicamente comprometida com a divisão capitalista do trabalho. A escola deve preparar determinado tipo de aluno, o pobre, sobretudo, para os trabalhos de execução manual (subalternos), outros (minorias) para os postos dirigentes dentro desta concepção. Se a escola preparasse os alunos para uma qualificação extrema, em que todos fossem capazes de chegar ao nível mais longo da vida acadêmica, estaria agindo como um estado de políticas socialistas. Porém, a escola em nosso contexto econômico, age de acordo com uma política educacional seletiva, que faça correspondência com o modelo capitalista da divisão social do trabalho. A construção do mito da escola pública se faz justamente em exibir-se como uma instituição que garante a igualdade de oportunidade a todos aqueles que queiram se elevar economicamente e socialmente a partir do seu mérito pessoal, assim todos aqueles que se mostram capazes poderão chegar ao topo.

A escola pública se constituiu essencialmente diferenciadora e aparentemente igualitária; partindo dessa afirmação, chega-se à conclusão que a transformação da escola única a partir de um rompimento da instituição escolar com a divisão capitalista do trabalho só será possível dentro de um Estado democrático e socialista (SAVIANI, s/d).

Swartz (1981) ressalta que é na escola que as crianças passam grande parte de seu tempo e, a primeira imagem que têm de si mesmas é formada, quase sempre, na escola, pois é este o local onde, pela primeira vez uma criança se vê confrontada com outras crianças da mesma idade, sendo o parecer que o professor tem sobre a criança, um fator de grande influência no desenvolvimento de valorização ou desvalorização dela, pois o poder do professor se manifesta na nota, na apreciação dos trabalhos, na atenção dada, nos julgamentos e impaciências, no descontrole, na irritação, etc. É preciso que os professores percebam o quão importante é levar em consideração que todas as crianças são seres humanos e, portanto, devem ser respeitadas. Igualmente importante é perceber que todo fracasso na transmissão de conhecimento (o que não é a única função da escola) tem dois pólos: um a nível de quem recebe o conhecimento e, outro, a nível de quem o transmite.

Sawaya (2002) expõe que a desvalorização a que se sujeita uma criança constantemente faz com que esta criança se auto desvalorize, reduzindo desta forma suas possibilidades, sendo o oposto também verdadeiro. Observa-se que a adaptação à escola é mais comum à pequena e média burguesia e a não-adaptação se dá mais frequentemente entre as crianças da classe operária e muitas vezes esta dificuldade de adaptação pode ser resolvida pelo empenho do professor em observar esta criança e encontrar uma maneira de facilitar a adaptação. O mesmo se dá no que diz respeito à aprendizagem. Muitas vezes uma outra maneira de ensinar faz com que o aluno se interesse e obtenha sucesso. Vemos que o fracasso escolar pode estar ligado à estigmatização a que a criança foi exposta e que persistiu no adolescente, desinteressando-o pela escola.

Para Lurçat (1987) mudar o estilo de transmissão de conhecimentos implica na mudança de ideologia mais do que numa mudança pedagógica.  A primeira mudança acarretaria a segunda e o resultado seria e será o ganho de aprendizagem. Sabe-se ainda que os conhecimentos a serem transmitidos e adquiridos talvez devam ser diferentes de acordo com a função que terão na idade adulta das pessoas, no entanto, o fracasso na aprendizagem da leitura fará com que a criança tenha prejudicado seu contato com a língua escrita, o que por sua vez a afastará de um posicionamento mais crítico perante a sociedade, prejudicando também sua visão de mundo. A escola tende a dobrar o caráter das crianças do povo esmagando-lhes o caráter ou preparando-as para a opressão, esforçando-se por formar seres submissos e ignorantes, mas a escola pode também fazer com que essas crianças desenvolvam o julgamento, o raciocínio, a tomada de consciência social, aprendendo a defender-se e aprender cada vez mais.

Os professores podem ajudar as crianças e a julgar, a pensar de maneira justa partindo da análise da realidade. As opiniões das crianças devem ser levadas a sério e discutidas, mas isso não significa ignorar a análise da realidade (LURÇAT, 1987).

A manutenção de uma sociedade dividida em classes sociais coloca uma separação entre o conhecimento necessário à produção de bens e serviços e o conhecimento destinado à uma esfera intelectual. Para as necessidades burguesas só se escolarizarão as crianças que se tornarão técnicos ou operários muito qualificados. A desvalorização é uma forma sutil de opressão. Opressão engendra revolta. Vivida como opressão, a desvalorização pode engendrar o ressentimento que por sua vez, acumulado contra os que, sistematicamente, põem em destaque os lados mais fracos, que ridicularizam e desprezam perante aos demais, pode transformar-se em ódio (SAES, 2008).

Vial (1987) explica que para evitar a perturbação da aprendizagem e o desinteresse, dois pólos do fracasso escolar, a pedagogia da leitura e da escrita deve aliar o domínio do gesto, o controle das atitudes, a atenção e o interesse dos alunos. É uma pedagogia completa, na qual o professor deve engajar-se totalmente e dedicar o máximo de sua atenção, respeitando o ritmo de cada criança e, encontrando dificuldades, investigar a causa dessas dificuldades e não apenas taxando a criança como difícil e abandonando-a, pois toda rejeição é uma condenação.

Patto (s/d) relata que a criança na escola pública se deu após a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, porque a partir de então os camponeses começaram a vir para os grandes centros urbanos, então se viu a necessidade de criar escolas. No final do século XIX e começo do século XX, começa um movimento forte da classe dos trabalhadores querendo uma escolarização para ter uma ascensão social. Há uma forte pressão sobre o governo; com isso se teve uma expansão das escolas do Brasil e também nos principais países capitalistas, mas embora a classe dos trabalhadores conseguisse através dos movimentos uma escola pública para todos, tem-se um problema que é a estrutura dessas famílias que não tem condições de competir em pé de igualdade com crianças vindas de famílias da classe dominante. Com isso, as crianças das classes sociais desfavorecidas tinham mais dificuldades em sua formação escolar, além de ter alguns professores que discriminavam os alunos pobres. Outra idéia foi que o problema da não aprendizagem desses alunos seria hereditário, aqui está um grande problema do fracasso escolar – se tem uma ilusão de escola para todos, mas as famílias com poder aquisitivo maior colocam seus filhos em colégios particulares que, devido à essa precariedade da escola pública, esses colégios particulares se tornaram os melhores nos dias de hoje. Enquanto a escola pública e gratuita está fracassada com baixos salários, desvalorização da profissão, esses são os fatores que contribuem para o fracasso escolar.

Mas em que consiste o fracasso escolar? E este fracasso escolar perante a democratização do ensino? Essas são algumas questões levantadas por Monique Vial (1987). E que conclusão a autora chega: que o fracasso escolar está ligeiramente ligado às classes sociais, heranças intelectuais que a mesma recebe e justamente como ela disse, na escola não ser democrática.

Toda escola se parte do princípio que é um lugar onde definitivamente o caráter democrático da escola se afirma. Ali, as diferenças desaparecem ou deveriam desaparecer. Não deve ser um lugar privilegiado, onde a igualdade social se solidifica e a oportunidade se materializa. Só que não é isso que se vê. A função ideológica da escola se distancia do sistema a qual a escola está inserida. Ela preenche, como podemos dizer, de “metáforas”, que não se compreende no todo para afirmar algo ao particular. Os maus alunos evidenciam isso, a sua representação ideológica do seu fracasso (VIAL, 1987).

Com isso, há uma psiquiatrização no fracasso escolar. A criança, em seu ano inicial de ensinamento, não aprende devido às características pessoais. Depois, um deslocamento do pessoal ao histórico familiar dela. É um avanço, mas ainda embasada no que a autora chama de “determinismo orgânico da adaptação escolar”. Com isso, há apenas uma abordagem única perante o fracasso escolar. Mas há um motivo por trás dessa posição unívoca: a seleção e segregação. Na escola onde, teoricamente, desaparecem os motivos de conflitos sociais, é na “anormalidade” do aluno que se inicia um processo de seleção dos apenas ditos “normais”. Triagem para uma escolarização mais curta. E é algo sério, pois um aluno que não aprende em suas séries iniciais, tem forte tendência ao não acompanhamento nas séries seguintes. O processo não é apenas psicopedagógico, mas administrativo e circunstancial (VIAL, 1987).

Sawaya (2002) afirma que é uma seleção que o meio social necessita. Uma escola em que é colocada uma divisão. As taxas de repetência são maiores na escola pública do que a particular. E quem é levado ao fracasso escolar: as classes sociais mais baixas, de filhos de operários, onde são excluídas das heranças sociais escolares e intelectuais, como já havia dito acima. Aonde se contesta isso: na super-representação das classes mais altas no ensino superior e secundário.

Claro que não se deve deixar de lado os mecanismos psicológicos do fracasso escolar. É importante esse aspecto. Só é preciso levar em consideração em relação à política escolar geral. O fracasso escolar é um fenômeno social. Na visão de que o problema é apenas pedagógico, há contradição perante o antagonismo que existe do lado de fora da escola. Há divisões sociais, mesmo perante aos avanços de estado de bem-estar social, como no caso observado e descrito mais diretamente à realidade francesa (PATTO, s/d).

A “situação social dos seus filhos na escola é uma defasagem entre as escolas e famílias das crianças de classes desfavorecidas em que repousa essa posição (…) a raiz da situação social em geral” (VIAL, pg.22). No Brasil, o aspecto só é deslocado onde o fracasso se dá no sistema escolar público e o privilégio de acesso é dos alunos das escolas particulares.

A Lei de Diretrizes de Bases (LDB) de 1996 vem justamente, na realidade brasileira, combater o processo de fracasso escolar. Atinge-se a universalização e a aprovação automática, instrumento que serve para não permitir a evasão e o fracasso, mas torna-se um problema, onde o aluno agora é levado a passar para não permitir o fracasso da série, mas no aspecto individual, o aluno não aprende. O acesso à universidade vem com uma série de programas, e os alunos ainda deficientes em alguns aspectos, se esforçam numa sociedade construída por heróis da conquista financeira, o Aquiles do século XXI, a geração “self”, que permite levar sucesso apenas (SAES, 2008).

São alguns desses desafios do costume brasileiro que ainda não foram respondidas. O fracasso social é o fracasso escolar aqui. Não se vê que o fracasso escolar é, na verdade, uma sociedade dividida em um modelo de escola que se quer (e uma sociedade também em conflito). Temos o material humano, social e aspectos mais sólidos do que antes para promover pequenas revoluções no sistema escolar brasileiro. O trabalho é duro, desde já, mas somente com uma educação que provoque mudanças culturais (aí nesse aspecto sim, a educação pode promover mudanças), onde não desaparece o ser do povo brasileiro, é que as suas mudanças são na ordem pública de se ver e de mudar o local onde mora, onde se vive, onde a cidadania é a construção de um novo ethos social (SAES, 2008).

Referências:

LURÇAT, L. Desvalorização e autodesvalorização da escola. In: Brandão, Z. (org.) Democratização do ensino: meta ou mito? 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1987.

PATTO, M.H. A criança da escola pública. S/D.

SAES, D.A.M. Escola pública e classes sociais no Brasil atual. In: Linhas Críticas, n.27. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 2008.

SAVIANI, D. Problemas sociais e problemas de aprendizagem. S/D.

SAWAYA, S.M. Novas perspectivas sobre o sucesso e o fracasso escolar. In: Oliveira, M.K. de; Souza, D.T.R.; Rego, T.C. (orgs.) Psicologia, Educação e as Temáticas da Vida Contemporânea. São Paulo: Ed. Moderna, 2002.

SWARTZ, D. Pierre Bourdieu: a transmissão cultural da desigualdade social. In: Patto, M.H.S.(org.) Introdução à psicologia escolar. São Paulo: Ed. T.A.Q., 1981.

VIAL, M. Um desafio à democratização do ensino: o fracasso escolar. In: Brandão, Z. (org.) Democratização do ensino: meta ou mito? 3ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1987.

 

Por André Groba

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